Momentos Épicos com o Malory

Desta vez quero propor um exercício. Peguei o começo do capítulo 5 do livro do Malory, no inglês crú e traduzi para o português (tudo bem, o MEU português).
O texto intercala segmentos nos dois idiomas, para que possam acompanhar o esforço de tradução, e as consultas ao diccionario comuns neste tipo de trabalho; eu simplesmente poderia ter lido o texto, compreendido e resumido, mas quis ter a sensação que um tradutor experimenta ao pegar um livro e tem por missão fazê-lo legível para as massas. Gostaria conhecer como escrever em português arcaico (por assim dizer o português bíblico) que me permitiria fazer uma tradução mais fiel do texto, mas peço que desconsiderem este fato e apreciem o texto como uma tradução literal porém moderna de um trecho do livro, bem conhecido para quem acompanha o blog ou mesmo quem já ouviu falar das lendas do Arthur. O desenho é de um outro livro, o Heroic Legends de Agnes Grozier Herbertson, Ilustrado por Helen Stratton e publicado em Londres em 1908.


CHAPTER V
How Arthur was chosen king, and of wonders and marvels of a sword taken out of a stone by the said Arthur.

Capítulo 5
Como Arthur foi escolhido rei, e das façanhas e maravilhas de uma espada tirada de uma pedra pelo chamado Arthur.

THEN stood the realm in great jeopardy long while, for every lord that was mighty of men made him strong, and many weened to have been king. Then Merlin went to the Archbishop of Canterbury, and counselled him for to send for all the lords of the realm, and all the gentlemen of arms, that they should to London come by Christmas, upon pain of cursing; and for this cause, that Jesus, that was born on that night, that he would of his great mercy show some miracle, as he was come to be king of mankind, for to show some miracle who should be rightwise king of this realm.

ENTÃO o reino esteve em grande perigo, já que entre os lordes poderosos e numerosos de homens, muitos reclamavam que deveriam ser nomeados reis. Assim Merlin foi até o arcebispo de Canterbury, e o aconselhou chamar a todos os lordes do reino, e os cavaleiros de armas, para que viessem a Londres no Natal, salvo por doença ou ferimentos; e que por esta causa, que Jesus nasceu naquela mesma noite, Ele teria misericórdia e mostraria algum milagre, assim como ele veio ser o rei dos homens, e desse jeito haveria um novo milagre para escolher o rei de direito deste reino.

So the Archbishop, by the advice of Merlin, sent for all the lords and gentlemen of arms that they should come by Christmas even unto London. And many of them made them clean of their life, that their prayer might be the more acceptable unto God. So in the greatest church of London, whether it were Paul's or not the French book maketh no mention, all the estates were long or day in the church for to pray.

Assim o arcebispo, sob conselho de Merlin, chamou todos os lordes e cavaleiros de armas para que estivessem em Londres com a vinda do Natal. E muitos deles vieram de coração puro, de forma que suas preces sejam mais dignas de serem ouvidas por Deus. Na maior igreja de Londres, tenha o apóstolo Paulo a visitado ou não (mas o livro francês não fez questão de mencionar), todos estiveram longamente na igreja para rezar.

And when matins* and the first mass was done, there was seen in the churchyard, against the high altar, a great stone four square, like unto a marble stone; and in midst thereof was like an anvil of steel a foot on high, and therein stuck a fair sword naked by the point, and letters there were written in gold about the sword that said thus:

*Matina: em inglês, matins, mattins ou Morning Prayer, é uma missa rezada somente na Igreja da Inglaterra e na Igreja Episcopal dos Estados Unidos.

Depois de acontecer a matina* e a primeira missa, foi vista no cemitério da igreja, contra o grande altar, uma grande pedra quadrada, como uma pedra de mármore; e na névoa como se fosse uma bigorna de aço, de um pé de altura, e presa nela uma bela espada sem bainha, com uma inscrição a ouro sobre a espada com os dizeres:

--Whoso pulleth out this sword of this stone and anvil, is rightwise king born of all England.

-- Aquele que tirar esta espada da pedra e a bigorna, é por direito rei nascido de toda a Inglaterra.

Then the people marvelled, and told it to the Archbishop. I command, said the Archbishop, that ye keep you within your church and pray unto God still, that no man touch the sword till the high mass be all done. So when all masses were done all the lords went to behold the stone and the sword. And when they saw the scripture some assayed, such as would have been king. But none might stir the sword nor move it. He is not here, said the Archbishop, that shall achieve the sword, but doubt not God will make him known. But this is my counsel, said the Archbishop, that we let purvey ten knights, men of good fame, and they to keep this sword. So it was ordained, and then there was made a cry, that every man should assay that would, for to win the sword. And upon New Year's Day the barons let make a jousts and a tournament, that all knights that would joust or tourney there might play, and all this was ordained for to keep the lords together and the commons, for the Archbishop trusted that God would make him known that should win the sword.

Assim as pessoas se maravilharam, e contaram para o arcebispo. Eu ordeno, disse o arcebispo, que fiquem dentro da igreja e orem a Deus mas, homem nenhum toque a espada até a grande missa terminar. Quando todas as missas acabaram, os lordes foram até a frente da pedra e a espada. E quando leram a escritura alguns tentaram, com se já fossem reis. Mas nenhum foi capaz de tirar a espada, sequer movê-la. Ele não está aqui, disse o arcebispo, aquele capaz de obter a espada, mas não duvideis que Deus lhe fará saber. Mas este é meu conselho, disse o arcebispo, obtenhamos dez cavaleiros, homens de renome, e que tentem obter a espada. Assim foi ordenado, e então foi divulgado que todo homem que quisesse poderia tentar obter a espada para si. Na data do Ano Novo os barões fizeram um torneio de justas, onde todos os cavaleiros pudessem participar, e foi ordenado que os lordes e seus seguidores permanecessem juntos, e o arcebispo confiou que Deus lhe faria saber dentre eles quem ganharia a espada.

Le Grand Finale

Curiosos? Que nada! Todos já sabem quem tirou a espada, o que talvez não lembrem são as circunstâncias, ou nem tenham lido o título do capítulo, discretíssimo. As vezes acho engraçado como já falei de tanta coisa, tenho referências no blog para praticamente tudo. O fato é que se traduzir dá trabalho, quanto mais contar isso tudo, seja a partir do imaginário pessoal ou em base as outras lendas e histórias ouvidas por aí. Nada disso tira o encanto de uma bela história bem contada... Voltem sempre, as lendas nunca acabam.

Até!

As Ilustrações do Malory

O texto abaixo acompanha o livro do post anterior, e reflete os pensamentos da artista Anna-Marie Ferguson sobre seu trabalho nas ilustrações e pinturas feitas para enriquecer o texto de Malory com sua visão particular das cenas épicas relatadas nos contos. São ao todo mais de 60 ilustrações em diferentes estilos, todas impressas em página inteira. Com vocês, Anna-Marie Ferguson:

É uma honra terem me confiado o trabalho de ilustração, e em muitas formas o épico de Malory é o sonho de qualquer desenhista. Esses livros que misturam história e lenda tem grande atração entre os artistas, e no caso de Malory a beleza extraordinaria tanto em imagens quanto emoções seduziu tantos ao longo do tempo que deixou um legado na arte que poucos livros podem rivalizar. Os artistas Pré-Raphael vem imediatamente à mente na longa lista de devotos do Malory, mas infelizmente e por questões práticas somente podemos dar uma curta resenha das ilustrações. Existem três edições prévias do Malory ilustradas. A primeira foi impressa pelo sucessor de Malory, Wynkyn de Worde em 1498, seguido por William Copland em 1557 e Thomas East em 1585. Os três foram ilustrados com xilogravuras de autores desconhecidos, cada edição de certa forma emprestando seus desenhos para a próxima. Malory não teria novos ilustradores pelos próximos 300 anos até que Aubrey Beardsley veio à fama com sua edição de 1893, publicada por J.M. Dent. Embora seu trabalho sobre o Malory recebeu algumas críticas, é sem dúvida merecedor de destaque pelo seu estilo revolucionário de ilustração; seu estilo é influência para outros até os dias de hoje. Seguindo Beardsley veio o excelente aquarelista Sir William Russel Flint com sua edição publicada pela Medicy Society 1910-1911. Considerado seu melhor trabalho, duas das suas ilustrações do Malory foram parte do acervo dos museus Victoria e Albert. O texto de Caxton encontra-se novamente com ilustrações em preto e branco nas xilografias de Charles Gere para a impressão de Ashendere em 1913, e com Edward Bawden para a Folio Society de Londres em 1982. A irmandade de ilustradores de Malory nunca parou de crescer junto com as numerosas adaptações e citações do texto. Essa lista abriga grandes nomes como Arthur Rackman e Walter Crane, assim como Howard Pyle e N.C. Whyte. Sobre o convite para falar da ilustração de Malory, só posso fazê-lo desde uma perspectiva pessoal, já que infelizmente pouco é conhecido da experiência de outros autores. Esta é uma rara oportunidade, embora curta, de levar o leitor para excursões para as florestas medievais de Malory onde os ilustradores perambulam, espiam e coletam suas visões. Uma das recompensas em ilustrar Malory é viver no seu cenário, passear entre seus dramas em companhia dos fantasmas de reis lendários. É a diferença entre estudar Malory e vivenciá-lo. Por exemplo, poucos (com exceção do autor) perguntariam para Morgana se preferiria levar uma cota de malha em uma missão perigosa, ou se Merlin ainda tem qualquer dente com sua idade. Embora pode ser muito divertido para um ilustrador se deliciar no texto de Malory, o peso de um clássico carrega uma grande responsabilidade, mais pesada ainda dada sua importância como fonte de identidade cultural británica. Por este motivo, deve-se tomar cuidado especial ao revisitar visões clássicas (A Távola Redonda, Excalibur, etc.) e fornecer novas imagens, mas dentro do contexto tanto do texto como da tradição. Um exemplo recai na ilustração de Merlin e Nimue, que é uma nova (ou muito antiga) visão do descanso final de Merlin. Relembra os túmulos neolíticos da Britania, e a maravilha que Merlin mostra para Nimue estaria nas gravuras que decoram estas pedras. Haveria algum lugar melhor para capturar ou para o descanso eterno de um personagem como Merlin? A pintura sugere mais pensamentos, aos quais o texto não se opõe. A lente particular do artista pode também trazer novos sentimentos para cenas já bem conhecidas. A linha sutil de comédia sobre o destino de Lancelot como "prisioneiro do prazer" das quatro belas rainhas é um caso. Todas as diferentes raízes da tradição arturiana culminam em Malory. Podemos ver os padrões heróicos lendários comuns à lenda celta como base dos ideais da cavalaria medieval, os romances franceses e a busca cristã do Graal. Quando achei propício, incorporei elementos que permeiam a origem particular de uma lenda específica. Na pintura das três mulheres da fonte o resplandor azul que circunda as figuras é a lembrança de suas origens em outro mundo como a trindade divina da tradição celta. O ilustrador também tem um papel como contador de histórias, muitas vezes dizendo aquilo que o escritor deixou de dizer. Além da Britania, Le Morte d'Arthur é uma história que pertence ao mundo no seu poder mítico para dramatizar o ciclo da vida. Na camada emocional, há poucos lugares onde Malory não possa enviar um ilustrador. É um livro barulhento: cómico, brutal, tenro, de quebrar o coração e tirar o fôlego. Há mistérios nos remanescentes de sabedoria de uma era, difíceis de filtrar através da linguagem e em conseqüência de serem falados através do simbolismo. O ataque doloroso que fere o Rei Pèlles, que ocasionou as terras áridas e obviamente a conquista do Graal fazem parte do reino de um artista visionário. Como terrenos sagrados, são talvez os mais desafiadores e sublimes temas dentro do Malory. As aquarelas e desenhos desta edição vieram da imaginação, as vezes auxiliados por um modelo. A intuição serviu como guia, e em umas poucas ocasiões foram derivadas de sonhos. Assim foi o caso da "obtenção de Excalibur", que apareceu e persistiu até completar uma das primeiras edições. A superstição pode ter sido um fator para minha decisão de pintar a cena uma segunda vez, mas logo pude apreciar a razão no gesto do mágica do Merlin, e tudo ganhou lugar na sua sombra. O Malory é ambicioso, e raramente permite ao seu ilustrador um descanso ou uma cena fácil. Para mim estes dois anos que se passaram foram um verdadeiro trabalho de amor. Quando perdia o rumo nas florestas pela demanda das variadas buscas, ouvia a batida de uma antiga lenda que corria como um rio sob as veias de um romance. É o que acredito ser a fonte da mágica que permeia os cenários de Malory, encapa seus personagens e intoxica um ilustrador. É um privilégio ter servido um mundo tão belo... tão belo e acidentado.
Anna-Marie Ferguson
Alberta, Canada, 2000


Saibam que a mente de um artista funciona no seu próprio ritmo, e por esse motivo varias partes do texto precisaram de uma tradução literal, sem muita compreensão do texto nem no original e por vezes confuso no próprio português. Não coloco isso como minha falha em interpretar o texto; acredito que a Anna-Marie realmente teve dificuldade em expressar o que sentia em palavras, já que sua arte é outra.

Mais sobre Malory na semana que vem... até!

O Mundo De Malory

Thomas Malory foi o autor do livro Le Morte D'Arthur (publicado por William Caxton em 1485, como disse no post anterior). A pesquisa que fiz para o post sobre armaduras me rendeu umas horas passeando pelo texto do livro, e reparei alguns detalhes interessantes. Uma das coisas que mais me chamou a atenção, foi o comprimento e abrangência dos títulos. Por outros textos que caíram na minha mão, vejo um padrão comum nisso, nos títulos que não se destacam pelo poder de síntese, pelo contrário, buscam contar a maior quantidade de detalhes possíveis, mesmo que o texto seja curto. Este costume se manteve por séculos, tanto é assim que o Quixote, publicado em 1605, ganhou o nome de "El Ingenioso Hidalgo de Don Quijote de La Mancha".
Ambos livros nutrem semelhanças na construção dos títulos e formatação dos capítulos; eram capítulos curtos que não passavam de poucas páginas, com títulos que equivalem aos trailers de cinema de hoje, contando praticamente o desfecho das histórias.

Exemplos:

Quixote, Capítulo VIII
Del buen suceso que el valeroso Don Quijote tuvo en la espantable y jamás imaginada aventura de los molinos de viento, con otros sucesos dignos de felice recordación

Quixote, Capítulo XVII
Donde se prosiguen los innumerables trabajos que el bravo Don Quijote y su buen escudero Sancho Panza pasaron en la venta, que por su mal pensó que era castillo

Le Morte, Livro Primeiro, Capítulo XXI
How Ulfius impeached Queen Igraine, Arthur's mother, of treason; and how a knight came and desired to have the death of his master revenged

Le Morte, Livro Terceiro, Capítulo V
How at the feast of the wedding of King Arthur to Guenever, a white hart came into the hall, and thirty couple hounds, and how a brachet pinched the hart, which was taken away

Foi assim que nasceram os spoilers??? Hein?

Deixando isso de lado, Malory deu dimensão a um sem fim de personagens. É gente demais para conseguir acompanhar, e ter compreensão do todo. Muitos cavaleiros, muitos castelos, florestas, paisagens, buscas e muitas batalhas (e muitas vezes repetindo o roteiro da batalha, àla Ctrl+C / Ctrl+V).

Um monte de Thomas

O grande mérito do Malory foi o esforço em compilar estas histórias, e muitas vezes escrever o nexo entre elas, inexistente nas versões originais. É relativamente aceito que Malory já tinha falecido quando a edição de Caxton veio à tona; Caxton, assim como muitos editores fazem até hoje, se preocupou em compilar o texto que tinha em mãos, mas praticamente não ou revisou. Tem vários capítulos que visivelmente não estão no seu formato definitivo, deixados assim propositalmente pelo autor para dar continuidade posteriormente. A mesma falta de cuidado aparece em alguns capítulos que começam no meio de uma frase qualquer. Se sabe que o último capítulo do último livro é incompleto, onde Arthur chegaria à ilha de Avalon após sua batalha com Mordred.

Assim como Caxton, teve outros editores tão ansiosos quanto descuidados, que pegaram o trabalho dele e republicaram sem uma revisão apropriada. Aparentemente, os manuscritos de Malory sumiram com Caxton, e as subseqüentes edições parecem baseadas no trabalho do imediato predecessor. Assim, Wynkyn de Worde lançou a sua em 1498 e 1529, William Copland em 1559, Thomas East em 1585, e Thomas Stansby em 1634. Esta última edição foi reimpressa em 1816 e 1856, a última editada por Thomas Wright. Sim, pelo jeito Thomas era um nome bem comum, mesmo se passado 400 anos.
Para variar um pouco na temática, em 1817 Robert Southey voltou para o texto de Caxton, embora pegou umas 11 folhas do texto de Wynkyn para completar o trabalho. Em 1868, Sir Edward Strachey apresentou uma reimpressão do texto de Southey, porém traduzido para o inglês atual, subtituindo palavras obsoletas, e suavizando passagens para "evitar problemas em caso de cair nas mãos de crianças incautas", como ele mesmo descreveu. Em 1889, o Dr. H. Oskar Sommer expôs o texto de Caxton página por página, com uma completa discussão sobre as origens usadas por Malory. Mais tarde, em 1897, Mr. Israel Gollancz trouxe uma bela edição, seguindo os princípios de Strachey sobre modernização da língua, mas recuperando frases omitidas por ele.
Sobre a edição que tenho em mãos, o responsável por voltar às origens é John Matthews; a pesquisa acima é de A.W. Pollard, quem sem querer tirar o mérito de Wynkyn, se esforçou em separar o texto de Caxton das modificações introduzidas por Wynkyn nos originais. O trabalho de indexação, como conhecemos hoje, é obra de Mr. Henry Littlehales.

Baita livro.

A imagem no começo do post é da capa da edição que faz parte da minha humilde biblioteca, edição ilustrada por Anne-Marie Ferguson. As ilustrações dela merecem um post à parte, quem sabe o próximo...


Saldo Devedor, Folga e Tecnologia

Cada um com suas correrias, alguns com o dia das mães, outros com trabalho (como no meu caso), o fato é que cheguei neste fim de semana esgotado.
Vou ficar devendo um post. Tirei o fim de semana para descansar, afinal foi feito para isso...
Ainda assim, para não dizer que não postei neste finde, vai uma coisinha que faz tempo estou guardando:

Engraçado como algumas pessoas são avessas à tecnologia, mesmo nos dias de hoje. Eu sou tecnómago. Curto tecnologia. Respiro tecnologia. Mas com uma ressalva: somente concordo com a tecnologia que veio para ajudar. De nada adianta tentar usar um celular, um computador, um software ou mesmo um fogão se dá mais trabalho do que o que tinha antes. A evolução tecnológica deve ajudar ao homem no seu dia-a-dia, para tornar seu trabalho mais eficiente, e com isso poder utilizar seu tempo em coisas mais uteis. É ótimo apertar um botão, rodar um programa, iniciar algum software e deixar que tome conta, para dedicarmos o esforço ao que interessa. Precisamos desenvolver cada vez mais nosso lado criativo... Leiam, estudem, aprendam, e não tenham medo de errar. Assim se aprende muita coisa também!

Bom fim de semana!!

No próximo post: Entrando de cabeça no mundo de Malory...

Homem de Ferro


- Gentil anfitrião, se não vos aborrece e se o sabeis, dizei-me: quem é estes cavaleiro com armas azul e ouro que ora passou por aqui? Junto dele cavalgava uma donzela encantadora e adiante um anão corcunda.
Responde o anfitrião:
- É quem terá o gavião, pois nenhum cavaleiro ousará opor-se. Não, não haverá rotos nem rasgados. Ele o conseguiu dois anos seguidos, sem ter encontrado desafiante. Se também desta vez obtiver o pássaro, o terá ganho para sempre. Dele será o pássaro, doravante todo ano, sem contenda nem peleja.
Diz Eric vivamente:
- Esse cavaleiro, não gosto dele! Sabei que se eu tivesse armas lhe disputaria o gavião! Gentil anfitrião, rogo que me ajudeis a aparelhar-me de armas, velhas ou novas, feias ou belas, pouco importa.
O anfitrião responde:
- Tenho boas e belas armas que de bom grado vos emprestarei. Lá dentro está a loriga de malha tripla que foi escolhida entre quinhentas, e as perneiras brilhantes e leves. O elmo está polido, luzente, e o escudo tinindo de tão novo. Cavalo, espada e lança vos emprestarei também, podeis ter certeza!
- Agradeço-vos, caro anfitrião, mas não desejo melhor espada além da que trouxe, nem outro cavalo além do meu. Dele me valerei bem. Se emprestardes o restante, será bondade mui grande.

O texto acima é do conto de Eric e Enide, texto muito rico que me levou 1, 2, 3 posts para completar. Deu um certo trabalhinho localizar esse texto específico; queria um texto arturiano que menciona-se vários componentes de uma armadura medieval, e embora este não seja exatamente o que buscava, já dá pé suficiente para o assunto de hoje.

Cuecão de lata

Quando disse trabalhinho, na verdade foi um trabalhão de pesquisa. Passei um par de horas fuçando o "Le Morte d'Arthur" do Thomas Malory no original, no seu inglês agradabilíssimo dos idos anos 1400. Mais exatamente, o livro foi concluído durante o quinto ano do reinado de Edward IV, portanto entre 1469 e 1470. Este livro somente viu a luz após sua paginação feita por Caxton, mais ou menos em 1485. Ele separou todos os textos em dois volumes, com 10 capítulos cada um.
Toda essa busca foi procurando uma passagem onde mencionassem as diferentes peças que compõem uma armadura. Adivinhem o que aconteceu? Não achei.
Talvez a conclusão mais importante e inusitada da busca da santa passagem seja o fato de chegar na conclusão que Malory não era conhecedor de armas. Em todos os confrontos, quando algum cavaleiro está se aparelhando para a batalha ou simplesmente para justar, o texto diz que o cavaleiro vestiu seu "armour", ou armadura. No máximo, aparece a expressão "harness", cujo equivalente seria aparelhagem. Nenhuma menção aparece às peças que compõem uma armadura, salvando pelo obvio, como o "helm" (capacete), e o "hauberk", que não é outra coisa que a camisa de cota de malha, que protege contra o corte de uma espada ao não permitir a passagem do aço entre seus elos. Nos contos de Malory os hauberks eram de péssima qualidade, ou os espadachins habilidosos demais, já que sempre cedia à força do corte.
As armas não recebem nenhuma categorização; uma espada é sempre uma "sword", nunca aparece qualquer outra expressão como sinônimo ou tipo de espada. Sim, há muitos tipos de espada, categorizadas pelo seu gume, peso, tamanho, etc, etc.
Resumindo: não achei o que buscava.
Então bateu a tecla; estava buscando no lugar errado. Precisava revisar outros livros, outros textos mais antigos, onde de fato as pessoas tinham a necessidade de usar armadura. Essa experiência de vida com certeza seria refletida nos textos. Portanto, mais uma vez o Chrétien salvou a lavoura, com o texto do Eric e Enide que abre este post.
Se não me engano, o texto original antigo do "Le Morte d'Arthur" que não pertence ao Malory mas cuja autoria é anônima, tem várias passagens onde Lancelot veste pacientemente cada peça da sua armadura, mas não achei até agora, e pela densidade do texto fica difícil caçar no livro sem um CTRL+F que ajude. Com certeza vou achar quando estiver procurando por outra coisa, como sempre acontece.

Tem tamanho M?

Já pensaram na dificuldade de vestir uma armadura? De se mexer dentro dela? Na sensação de claustrofobia, preso dentro de tanta lata? De até que ponto um cavaleiro estaria indefeso dentro dela? Por que então as pessoas usavam armadura?

A resposta é simples: pelo mesmo motivo que são usados tanques nos dias atuais. O cavaleiro em armadura era uma arma formidável, capaz de enfrentar vários soldados em pé, se deslocar rapidamente, interceptar, avistar, formar barreiras. Os cavaleiros, como falei faz uns 6 meses, eram a elite de qualquer exercito, capazes de desequilibrar uma batalha.

A imagem acima, tirada do site medieval lifestyle, mostra as peças que compõem uma armadura clássica de finais de 1500/começos de 1600 (séc. XVI/XVII respectivamente). O que não conta é o que precisava embaixo dela:
A primeira camada em contato com a pele era sempre uma camisa de tecido, que mantinha o corpo quente mesmo no nevado inverno da europa. Em cima, outra camisa, desta vez de couro, que amaciava o impacto dos golpes e protegia contra farpas que nenhuma outra peça de roupa poderia segurar. A seguir, a cota de malha, que com a passagem do tempo ganhou e perdeu mangas para comportar funções como a dos arqueiros, que precisavam dos braços livres de qualquer peso para mirar apropriadamente. Finalmente, aqueles que vestiam armaduras recebiam a ajuda dos valetes para afivelar cada peça no seu lugar. É bom não bater vontade de ir no banheiro depois disso tudo.

Ficaram curiosos? Querem experimentar?

Quem estiver passando uns dias em Ontario a trabalho ou passeio poderá passar pelo AEMMA, ou "Academy of European Medieval Martial Arts". Esta fundação existe com o único objetivo de manter vivas as tradições de batalha medieval, incluindo regras especificamente escritas para a luta "mano-a-mano". Sim, os caras quebram o pau mesmo. Por motivos de segurança, eles só permitem armaduras de fins do séc. XIV até começos do séc. XV, e até por defender um teor histórico. Se você for participar, esqueça de chegar com seu capacete pontudo do séc. XI, não vai rolar mesmo que sua armadura seja apropriada.

No site da AEMMA tem uma referência a um livro de 1954, chamado "A Book of Armour", de Patrick Nicolle. Eles tentaram conseguir os direitos para publicar, mas nada de achar a editora ou o autor do livro, ou mesmo quem tiver os direitos sobre ele. Por esse motivo, colocaram o texto na íntegra nomeando o autor para evitar problemas, e no mesmo intuito eu catei descaradamente do site deles para alegria geral dos meus leitores.

1320 - Nessa época entraram muitas placas metálicas. Nosso modelo à esquerda representa um cavaleiro do rei Edward II; reparem nas peças circulares nos cotovelos, para proteção extra. Em 1325 a armadura mudou bastante; o capacete pontudo ainda valia, mas entrou o babador de cota de malha, e as mangas do hauberk (a tal camisa de cota de malha) ficaram largas, para poder colocar as luvas, agora inteiramente de placas metálicas.






1345 - Eis um bom exemplo da armadura usada na batalha de Crecy (França / Inglaterra). O capacete tinha um visor móvel, com seu final estendido e curvo para proteger o pescoço. O destaque da armadura é que era montada em cima de roupa de couro, rebitada por cima ou por baixo do couro mas nunca rebitadas entre elas. Aliás, alguém reparou que estes capacetes defendiam também as bochechas?








1419 - Bem-vindos à armadura completa, o tal de full plate armour. Nela o saiote de couro da versão anterior foi substituído por uma peça articulada; o capacete protege agora o rosto inteiro, e o pescoço como uma peça única.










É, os tempos evoluem... não percam o filme do Iron Man, está demais! E fiquem até o final do final do final das letrinhas que passam no final. Tem cena extra!!