Sessão Especial - Camelot

Começa hoje uma série de posts sobre os filmes inspirados na lenda arturiana. Tive esta idéia há alguns tempos, mas ela voltou no dia em que por um acaso uma cópia do filme "Camelot" caiu no meu carrinho de compras. Na verdade, na minha mão mesmo, não tinha carrinho.



Camelot é um filme épico, uma tradução para o cinema da peça de teatro homônima; ambas obras baseadas na série de livros do T.H. White, "O Único e Verdadeiro Rei". A fita, produzida em 1967, levou 3 Oscars e mais um bocado de prêmios e nomeações. Mas vocês não vieram até aqui para me ouvir falando rosas e maravilhas... sim, eu sei que vocês querem meus comentários azedos. Eu conheço vocês. Sei onde vocês moram.

O filme vale a pena, e a paciência dedicada em apreciar 3 horas desopilantes. Sim, 3 horas de filme, com direito a plaquinhas de intervalo e tudo... Isso é que é uma tradução literal da peça de teatro. Mas essa é apenas a primeira, e a menor das surpresas da fita. Estamos falando de uma obra que se esforça por ser séria, e falha miseravelmente, e assistimos esse fracasso com choro de riso e felicidade. Faz tempo que não rio com tanta vontade de um filme. Talvez alguém lembre (tá certo.. ninguém vai lembrar mesmo) o que disse sobre o o livro do White: o texto é particularmente básico, infantil. Agora, fazer uma peça de teatro e ainda um filme com essa materia prima não podia dar em outra coisa. É um primor de assistir...

1) Arthur. O Wart. O único e verdadeiro rei.. bobo. Não é bem a palavra que estou buscando; é uma mistura de insegurança, infantilidade e falta de capacidade. Impericia. Um coitado.
Este Arthur se vê em situações esquisitas, onde nos vemos forçados a acompanhar o raciocinio (por chamar de alguma maneira) para resolver as questões. Exemplo:

Tenho que pensar, mas não consigo pensar em nada. Mas não pensar em nada já é um pensamento, portanto estou pensando, certo?

2) Jenny. Nossa Guinevere, na visão mais assanhada que os anos 60 permitiam. Ou seja, a devassa perfeita. Ela entra em cena pedindo para ser levada por um cavaleiro cretino, ou qualquer outro homem. Basta ser homem. Não tem critério. Não pensa com a cabeça. O resto vocês sabem.

3) Lance. O herói brilhante, cheio de sotaque. O francês, grande cavaleiro da Joiosa Guarda, interpretado por um Franco Nero desesperado por parecer um ator que não foi chamado pela aparência. E nós fazemos de conta que acreditamos, ao vê-lo chorar tão sofrido, tadinho.

4) O universo de purpurina. O mundo era gay nos sessentas, e não fazia a menor questão de afirmar o contrário. A cena do Arthur e o Lance colhendo flores na festa da primavera é comovedora (não, não é). E enquanto isso, a Jenny, rodeada de casais e doida para aprontar. Nessas horas que penso, como o mundo está perdido. Mas vejo que não é de hoje.

5) Os baluartes de sabedoria nas palavras do Arthur. São autênticas pérolas que nos acompanharão pelo resto das nossas vidas. Vai mais uma:

Não tente entender como uma mulher pensa. Elas não costumam fazer isso com freqüência.

O Arthur já era meu herói, mas depois dessa...

6) Props. Os figurinos, armaduras e outros acessórios são excelentes, e fotografam muito bem em cena. É uma pena perder a ilusão da magia do cinema quando vemos o Arthur segurando Excalibur pelo gume, e esfregando o rosto nela enquanto pensa, se reconfortando... Em qualquer outro filme, teria se degolado.

7) O que vocês fariam e estivessem a instantes de morrerem queimados na fogueira? Bom, a Gui parece não se importar com isso. Não se importou no pátio pegando fogo. Não se importou na entrada do Lance. Não se incomodou com a morte da metade dos cavaleiros da távola redonda. Não se importou em ser salva. Parecia uma boneca de pano. Inexpressiva. Flexível, porém inexpressiva. Ao menos nessa cena, deixou muito a desejar.

8) Pode ser um problema meu, mas não tive como entender a passagem do tempo. Embora os fatos são relatados em ordem cronologica, é o tempo ocorrido entre um fato e outro é que não faz sentido. Os personagens falam de uma assunto, e na fala seguinte se passaram anos. Uma vinhetinha não faz mal a ninguém..

9) O final. Ou a falta dele. Nada se resolve no final. Ao ponto que quando acreditamos que vai ter uma sacada inteligente (quem será esse jovem? Perceval? Galahad?), uma criança filho de ninguém sai correndo e pronto. Assim termina. Com um tal de Tom de Warwick vazando.

10) Chega. Precisam ver. Eu vejo de novo, quem topar pode ver aqui em casa!

Semana que vem: mais cinema!

Até a semana que vem!

Dossiê Quentão

Coitado do Kay. Tudo bem ele ser grosso, mas não ganhar nenhum comentário em uma semana foi aversão demais com a figura dele... Vamos ao assunto desta semana, parte do folklore local. E quem não sabe o que é folklore, pode perguntar, ok?

Heresia?

Estava eu cozinhando em casa (sim, eu cozinho, não frito ovo), e comentei um lance sobre as festividades desta época. As festas juninas foram introduzidas no Brasil pelos jesuitas, comemoradas em Junho e Julho, trazidas diretamente de Portugal como uma festa dos santos (particularmente, São João, quem dá o nome as festas juninas). Só que tem um pequeno detalhe, estas festas tem um lado arturiano...


Claro, ninguém bota fé em ver o Lancelot fantasiado de caipira e de bigodinho pintado (embora eu pagava). O fato é que as tradicionais festas juninas foram mais uma adaptação para contentar a horda de pagãos, autorizando as festas da primavera na antiga Europa. Já explico direito.

Sabem o lance do culto umbanda, ou mais precisamente o candomblé? Os escravos fizeram uma analogia entre os santos cristãos e os orixás dos cultos africanos, desta forma eles conseguiam praticar seus cultos e honrar seus orixás sem tomar toco dos donos das fazendas. Ou seja, quando eles faziam culto para Santo Antônio (na Bahia) ou São Jorge no Rio, na verdade eles estavam cultuando Ogum. Assim tem outras analogias, mas não vem ao caso. Vamos voltar ao post de hoje.

Na antiguidade européia, o culto aos deuses "pagãos" incluia a festa da primavera, ou festa da coleita, basicamente uma celebração para agradecer aos deuses e a Mãe Terra (aka. Natureza) pela benção da vida, pelo renascimento dos frutos. A Natureza é vista como uma divindade, que como uma mãe alimenta seus filhos com seus frutos. É uma celebração da vida, e como tal muitos camponeses procuravam "acasalar" (er.. sim, isso mesmo) nestas festividades, para que seus filhos nascecem com a benção da Deusa.

No momento em que o cristianismo começou a perseguir os "falsos cultos", e converter as pessoas para a verdadeira fé, o druidismo caiu em desuso, salvo em coletividades isoladas, afastadas do contato com as grandes cidades. Claro que os curas tiveram problemas enormes para convencer as pessoas que não podiam cultuar mais de uma religião (coisa bastante comum no Brasil, aliás), e com isso o povo manteve, muitas vezes escondido, as festas de Juno, da Deusa, do mês de Junho, da primavera. As festas juninas.

Naquela de "si no puedes vencer, únete a ellos", os curas converteram aos poucos a festa junina em uma festa para São João, e de geração em geração a idéia foi se arraigando. E uns quantos séculos depois, nos encontramos fazendo quentão, soltando balões e dançando quadrilha.

Vai uma dica de leitura: para quem quiser explorar mais a fundo as festas da Deusa, leia com carinho (e paciência...) As Brumas de Avalon. É o ponto de pivô de quase todos os acontecimentos do livro.

Até a semana que vem!

Sir Kay, O Grosso

Estava eu lendo algumas bobagens na internet, como distração matinal enquanto não achava assunto para o blog. Nisso o stumble ajuda bastante, tanto em se distrair como em buscar assunto. Eis que lembrei do Sir Kay, provavelmente o cavaleiro mais desagradável e grosso de todos os tempos, odiado por todos seus companheiros e apenas tolerado por Arthur e companhia. É, nem todo mundo é bonzinho, o mundo arturiano é bem real no que diz à personalidade da turma...

Ilustração de Howard Pyle: Sir Kay quebra a espada durante o torneio.

Não sei ao certo onde começou a má fama do Sir Kay. Acho que menção mais antiga dele que conheço é do Cullwch e Olwen, mas lembrei dele esses dias ao ler um trechinho do Yvain (O Cavaleiro do Leão) na versão do Chrétien de Troyes. Este conto parece ter uma origem bem antiga, e recontado incontáveis vezes até se perder sua origem; assim como outros contos (p.ex. Cliges), o Yvain carrega uma influência nítida dos contos celtas, mais conhecido com o nome de Owein. Me lembrem de falar disso mais na frente, a história é interessante mas estou desviando do assunto de hoje...

Vai um trechinho do Yvain para vocês sentirem o drama:

Fora, à porta do quarto, estavam Dodinel e Sagremor, Kai o senescal, e Sire Gawain. Havia também sire Ivain e com eles Calogrenant, um cavaleiro muito agradável que começou a lhes contar uma história. O caso lhe acontecera não para o honrar, mas para sua vergonha.

A rainha escutava o que o cavaleiro contava. Ela levantara de junto do rei e chegara tão mansamente que ninguém a viu sentar no meio de tanta gente. E Kai, homem muito injurioso e malévolo e venenoso, disse então:
- Por Deus, Calogrenant, sois bravo, sois lesto e agrada-me que dentre todos nós sejais o mais cortês. E sei que acreditais nisso, tanto sois falto de bom senso. É justo que minha senhora pense que tendes bem mais cortesia e bravura que nós. Sem dúvida não nos pusemos de pé por preguiça ou porque não condescendemos nisso. Mas, por Deus, sire, se não nos levantamos é que não vimos minha senhora!

- Sem dúvida, Kai - responde a rainha -, eu gostaria que rebentásseis, se não vos podeis esvaziar do veneno de que estais pleno! Sois odioso e covarde por repreender assim vossos companheiros!

- Senhora - se torna Kai -, se não ganhamos com vossa companhia, evitai que percamos com ela! Não creio haver dito cousa que possam exprobar. Se voz apraz, paremos por aqui. E fazei-nos contar o que o cavaleiro havia começado.
Responde Calogrenant:

- Senhora, não me preocupo com a disputa. Por que a prezaria? Se Kai me fez ofensa, disso não me advirá o menor dano. A outros mais valentes e mais sábios, sire Kai, dissestes amiúde palavras ofensivas, pois sois useiro delas. Sempre deve a esterqueira malcheirar, a varejeira picar, o zangão zumbir, o desleal enfadar e ferir. Mas nada contarei hoje, se minha senhora houver por bem me deixar em paz. E peço-lhe que não diga palavra nem me ordene cousa que me desagrade.

- Calogrenant - disse a rainha -, não vos abalem as maldosas palavras de sire Kai o senescal! Ele tem costume de falar mal e não consegue se corrigir. Não tenhais ressentimento e contai-nos cousa tão prazerosa de ouvir. Eu vos peço. Se quereis conservar minha amizade, começai o conto de novo!

Sangue ruim, né? Ô bicho peçonhento...

Quando falei do conto da charrete (a.k.a. Sir Lancelot) vocês devem lembrar que foi exatamente por culpa de Sir Kay que a rainha Guinevere foi levada refém por Meleagrant, fiho do rei Bandemagus. Então, o histórico do Kay parece mais uma ficha corrida do que algo em que alguém possa se orgulhar. No Le Morte D'Arthur ele continua aprontando, criando desavenças entre cavaleiros o tempo todo. O capítulo II do livro VII conta como Gawain e Lancelot ficaram fulos da vida do Kay ficar caçoando do Beaumains (do conto do Cote Male Taile).

Ainda assim, como ninguém é completamente ruim, sobram a ele algumas proezas cavaleirescas. Nos contos celtas mais antigos é conhecido como "Cai o Alto", e provavelmente por sua altura avantajada ganhou o apelido de "Matador de Gigantes". Tem alguns contos onde contam como foi que derrotou alguns gigantes, geralmente em companhia de figuras conhecidas, como o Pellinore.

A pergunta é: Se Kay é tão maldoso, porque Arthur o fez cavaleiro da távola redonda?

A resposta é mais simples do que parece. Quando Arthur nasceu, foi tomado por Merlin e afastado dos seus pais (Uther e Igraine), e entregue nas mãos do Sir Ector, para que fosse criado secretamente como filho adotivo. Arthur finalmente foi revelado ao mundo quando puxou a espada da pedra, mas nesse dia ele estava apenas acompanhando seu irmão de criação, filho legítimo do Ector. Arthur fazia o papel de escudeiro do seu irmão mais velho, ajudando na hora de vestir a armadura, e cuidando as armas. Foi assim que por um esquecimento faltou a espada, e o jovem Arthur viu a espada abandonada dentro da pedra e a tirou para entregar na mão do seu irmão. O nome desse jovem filho do Ector era Kay, e mais tarde viraria senescal de Camelot, como prova de afeto que Arthur tinha pelo seu irmão de adoção.

É, vida louca...

Até a semana que vem!

O Rei Sem Castelo

Sir Mickey, Knight of The Round Table?

Obrigado a todos os pais, mães, tios e tias, filhos e filhas, padrinhos, madrinhas, e anônimos afins que clicam no meu blog quando procuram no google por castelos da Disney. Mas a verdade é, por mais que insistam, não vou falar desse castelo!

Para que não digam depois que a visita no meu blog foi uma perda de tempo, vou deixar um pouco de dever de casa.

1) Visitem a página da Disney. Lá fala tudo o que precisam saber, e mais um pouco. Só uma ajudinha, o castelo que procuram é o Cinderella Castle (link aqui).

2) Para quem não tem como ir, ainda pode trazer o castelo até sua própria casa, e passar uma ótima diversão montando o próprio castelo (link aqui).

3) Quem de fato vai até lá, não esqueça do visto. Sabe, aquele carimbo no passaporte (link aqui).

Até a semana que vem!

Nota do Blogueiro: Esta semana foi punk, e somente hoje consegui parar na frente do micro para teclar alguma coisa. Não quero escrever qualquer balela sobre o Arthur, então preferi fazer este post, que estava rondando na cabeça faz tempo; era para ser uma edição especial no meio da semana, mas enfim... tá aí. Como na semana que vem tem um feriado, provavelmente consiga trazer um post decente... minhas desculpas galera!