Preiddeu Annwn - Os espólios do Outro Mundo

Muito bem, hoje trago uma peça estranha, bem clássica e que já mencionei outras vezes porém sem muitos detalhes. Trata-se de um poema do século 14, extraido do Lliyfr Taliesin (Livro de Taliesin), que sugere que Arthur levou guerreiros até o outro mundo galés, na busca de um caldeirão misterioso.

Este trecho do livro ficou bem conhecido pela menção de Arthur, e por essa mesma razão entrou em todas as compilações de literatura arturiana. Hoje em dia, há um certo consenso que o ponto principal deste poema não era contar uma história sobre Arthur, mas mostrar o talento do Taliesin como bardo excepcional.

Assim, segue minha tradução do poema, baseada na tradução da Sarah Higley e publicada aqui.

I

1. Golychaf wledic pendeuic gwlat ri.
Eu imploro ao Senhor,
príncipe do reino, Rei.

2. [r]y ledas ypennaeth dros traeth mundi.
Sua soberania se estende
por sobre as terras do mundo.

3. bu kyweir karchar gweir ygkaer sidi.
Forte era
a prisão de Gweir
em Kaer Sidi (a fortaleza do morro)

4. trwy ebostol pwyll aphryderi.
Pelos cuidados de
Pwyll e Pryderi.

5. Neb kyn noc ef nyt aeth idi.
Ninguém antes dele
veio até ela,

6. yr gadwyn trom las kywirwas ae ketwi.
nas pesadas correntes cinzentas;
um fiel servo é mantido.

7. Arac preideu annwfyn tost yt geni.
E ante os espólios do Outro-Mundo
amargamente ele cantou.

8. Ac yt urawt parahawt ynbardwedi.
E até o dia do Juizo
deve durar
nosso lamento bárdico.

9. Tri lloneit prytwen yd aetham ni idi.
Três vezes o Prydwen cheio
foi como chegamos nela

10. nam seith ny dyrreith ogaer sidi.
Salvo sete
nunca voltaram
da fortaleza no morro.

(as duas últimas frases dizem que chegou ao morro um exercito equivalente a 3 vezes a capacidade de Prydwen, o navio de Arthur, mas apenas sete voltaram com vida).

II

11. Neut wyf glot geinmyn cerd ochlywir.
Estou honrado por louvar.
O canto foi ouvido

12. ygkaer pedryuan pedyr ychwelyt.
Na fortaleza de Quatro-Torres
quatro eram suas revoluções.

13. yg kenneir or peir pan leferit.
Minha poesia
do caldeirão
era proclamada.

14. Oanadyl naw morwyn gochyneuit.
Do hálito de nove donzelas
foi nutrido.

15. Neu peir pen annwfyn pwy y vynut.
O caldeirão do mestre do Outro-Mundo:
Qual a sua aparência?

16. gwrym am yoror amererit.
uma crista preta na sua borda
e pérolas.

17. Ny beirw bwyt llwfyr ny rytyghit.
Ele não cozinha a comida de um covarde;
não é esse seu propósito.

18. cledyf lluch lleawc idaw rydyrchit.
A reluzente espada de Lleawch
foi erguida dele.

19. Ac yn llaw leminawc yd edewit.
E na mão de Lleminawc
foi deixada.

20. Arac drws porth vffern llugyrn lloscit.
E perante a porta do inferno
lanternas arderam.

21. Aphan aetham ni gan arthur trafferth lechrit
E quando fomos com Arthur,
excepcional dificuldade,

22. namyn seith ny dyrreith o gaer vedwit.
Salvo sete
nunca voltaram
da fortaleza dos festins.

III

23. Neut wyf glot geinmyn kerd glywanawr.
Estou honrado por louvar.
O canto foi ouvido

24. ygkaer pedryfan ynys pybyrdor
Na fortaleza das Quatro-Torres,
ilha da porta forte.

25. echwyd amuchyd kymyscetor
O córrego e a niebla
se misturam.

26. gwin gloyw eugwirawt rac eu gorgord.
Vinho e licor
ante seu cuidador.

27. Tri lloneit prytwen yd aetham ni ar vor.
Três vezes o Prydwen cheio
fomos ao mar.

28. namyn seith ny dyrreith ogaer rigor.
Salvo sete
nunca voltaram
da fortaleza da resistência.

IV

29. Ny obrynafi lawyr llen llywyadur
Eu não dou valor
para os homens de letras.

30. tra chaer wydyr ny welsynt wrhyt arthur.
Além da fortaleza de Vidro eles não viram
o valor de Arthur

31. Tri vgeint canhwr aseui ar y mur.
seiscentos homens
estiveram frente ao muro.

32. oed anhawd ymadrawd aegwylyadur
Foi dificil
falar
com seu sentinela.

33. tri lloneit prytwen yd aeth gan arthur.
Três vezes o Prydwen cheio
foram com Arthur.

34. namyn seith ny dyrreith ogaer golud.
Salvo sete
nunca voltaram
da fortaleza das entranhas.

V

35. Ny obrynaf y lawyr llaes eu kylchwy
Eu não dou mérito a pequenos homens,
negligentes as tiras dos seus escudos.

36. ny wdant wy pydyd peridyd pwy.
Eles não sabem em que dia
quem foi criado.

37. py awr ymeindyd y ganet cwy.
Que horas do dia
Cwy nasceu.

38. Pwy gwnaeth arnyt aeth doleu defwy.
Quem o fez
quem não foi
às pradeiras de Defwy?

39. ny wdant wy yrych brych bras y penrwy.
Eles não conhecem o boi listrado,
dura sua frente.

40. Seith vgein kygwng yny aerwy.
Sete argolas torcidas
no seu pescoço.

41. Aphan aetham ni gan arthur auyrdwl gofwy.
E quando fomos com Arthur,
dolorosa travesia,

42. namyn seith ny dyrreith o gaer vandwy.
Salvo sete
nunca voltaram
da fortaleza no morro divino.

VI

43. Ny obrynafy lawyr llaes eu gohen.
Eu não dou mérito para homens pequenos,
negligente sua vontade.

44. ny wdant pydyd peridyd pen.
Eles não conhecem qual dia
o foi criado,

45. Py awr ymeindyd y ganet perchen.
que horas do dia
seu dono nasceu,

46. Py vil agatwant aryant ypen.
que animal eles guardam, prateada sua cabeça.

47. Pan aetham ni gan arthur afyrdwl gynhen.
Quando fomos com Arthur,
deprimente confronto,

48. namyn seith ny dyrreith o gaer ochren.
Salvo sete
nunca voltaram
da fortaleza do enclausuramento.

VII

49. Myneich dychnut val cunin cor.
Monges uivam
como um coral de cachorros

50. o gyfranc udyd ae gwidanhor.
de uma reunião com senhores
que sabem:

51. Ae vn hynt gwynt ae vn dwfyr mor.
Tem um sentido no vento?
Tem um curso nas águas?

52. Ae vn vfel tan twrwf diachor.
há uma faísca de fogo
de brutal agitação?

VIII

53. Myneych dychnut val bleidawr.
Monges ficam juntos
como jovens lobos

54. o gyfranc udyd ae gwidyanhawr.
de um encontro com senhores
que sabem.

55. ny wdant pan yscar deweint agwawr.
Eles não conhecem quando a meia-noite
e o amanhecer se dividem.

56. neu wynt pwy hynt pwy yrynnawd.
Nem o vento, qual seu curso,
que é furioso,

57. py va diua py tir aplawd.
Que lugar ele devasta,
que região ele ataca.

58. bet sant yn diuant abet allawr.
O túmulo do santo
é oculto
tanto o túmulo quanto a terra.

59. Golychaf y wledic pendefic mawr.
Eu louvo o Senhor,
grande príncipe,

60. na bwyf trist crist am gwadawl.
que eu não ficarei triste;
Cristo me garante.

É claro que há muitas dúvidas sobre a interpretação, já que o galés do texto é muito antigo e rudimentar, e com isso muitas palavras podem ter mais de uma interpretação. Por exemplo, no caso do ponto 58 do texto, diuant pode ser oculto, como desaparecido, neste caso no outro-mundo, e allawr pode ser tanto terra quanto campeão. Assim, o texto pode se referir ao sumiço dos túmulos dos campeões da batalha, ou ao sumiço dos túmulos tanto na terra como embaixo dela (de novo, no outro-mundo).

Tem mais um ponto interessante, que é a crítica aos monges no final do poema. Podemos entender que Taliesin sentia revolta com os monges, até pelo tom que usa ao chamá-los de "gente pequena que mexe com livros, meros covardes". Isto não tem nada a ver com o Arthur, e mostra apenas um ressentimento do bardo com os monges que documentavam os contos, como se não tivessem talento algum (e o talento fosse apenas dos bardos, os verdadeiros poetas).

Quem quiser estudar um pouco mais, visite o link e veja a tradução do site original, que inclui muitos comentários da tradutora bem interessantes para desvendar o texto. Como se isso não bastasse, ainda tem a oportunidade de OUVIR o poema no site!

Até a semana que vem!

Nenhum comentário: