Sete Eras da Bretanha

É! Faltou post no domingo mas como é feriado podemos manter a agenda!

Mais uma vez a BBC nos leva da mão para conhecer a história da Bretanha, coisa que para quem curte as lendas arturianas é quase que obrigatório. É através da história que chegamos a entender o pensamento da época, os costumes, e em conseqüência as as atitudes dos personagens perante as situações que enfrentam nos contos.

A nova série tem por nome "Seven Ages of Britain", e mostra em 7 episódios a história da ilha da Inglaterra, desde os começos com a invasão romana até os dias de hoje. É inevitável a comparação com o "A History of Britain", produzido quase 10 anos atrás também pela BBC. Comentei esse documentário aqui, para quem não lembra.

Não que tenha alguma coisa a ver com nada, mas a BBC fez um outro documentário chamado "Seven Ages of Rock", que contava a história do Rock desde os Beatles até Oasis. Pelo jeito é uma tendência que querem seguir, fazendo 7 episódios cronolôgicos sobre assuntos variados. Veremos o que vem pela frente.

"Tá olhando o quê? É só uma lembrancinha!"

Mas, voltando ao que nos remete neste post, os episódios são divididos por épocas, e no primeiro episódio vamos da invasão romana até a conquista normanda. Desta vez temos como host o Sr. David Dimbleby, um velho conhecido da BBC. Podemos compará-lo aos apresentadores mais velhos da Globo, que trabalharam a vida inteira na TV e hoje se dedicam a documentários (sim, vocês sabem de QUEM estou falando).

A ótica desta série é contar a história da Bretanha através da sua arte; assim, o David viaja de um canto para o outro caçando estas obras. Ainda não assisti a série, mas pelos resumos da BBC sei que vou gostar, e lembrar muito de tantas histórias que já li. Afinal, todos esses grandes autores de ontem e de hoje foram inspirados por esse contexto, por esse mundo à volta deles, rodeado de arte e cultura tão diferente à nossa.

Para mais detalhes desta série, visitem o site da BBC com a relação dos programas aqui.

Alguém de vocês já assistiu?

Até o próximo post!

Crônicas Saxônicas e Fé

Então, como foi a páscoa de vocês? Curtiram o feriado, comeram chocolate?

Eu tive uma viagem na semana, estive em BH a trabalho, e claro que levei um livro comigo. Meu companheiro da vez foi o livro " Os Senhores do Norte", terceiro volume dos quatro que compõem o conjunto "Crônicas Saxônicas" do Bernard Cornwell.



Este livro nos conta a história de Alfredo o Grande, o rei que unificou a Inglaterra por volta do ano 880 d.C., desde a ótica de Uthred, um jovem saxão levado pelos dinamarqueses quando ainda era criança, e que mais tarde retornaria ao reino para participar das batalhas decisivas na reconquista da Inglaterra.

Toda esta história está baseada e inspirada (já que há umas quantas liberdades no livro) nas verdadeiras crônicas saxônicas, provavelmente os documentos mais antigos que existam sobre o surgimento do que conhecemos como Inglaterra.

Foi feito um filme de baixo orçamento (tem até este trailer), mas sem ver o filme prefiro não opinar. Vou ver se consigo localizar o filme e ver para poder comentar sobre ele.

Uma das coisas interessantes desta coleção de livros é ver os eventos desde múltiplos ângulos. Temos a visão dos saxões, e suas disputas constantes de poder; os dinamarqueses, com seus navíos poderosos e guerreiros implacáveis almejando as ricas terras da ilha; e os bretões e irlandeses dando dor de cabeça o tempo inteiro, também guerreando para conquistar novas terras.

Neste livro há poucas menções ao Rei Arthur ou a lenda de Camelot e Excalibur, o que tem muito sentido já que era uma lenda bretã. Nestas curtas aparições, se fala de um rei que está dormindo, e voltará no dia que seu povo precisar dele, só que como o próprio Uthred disse ao ouvir essa história, "mas os bretões estão precisando dele agora"... O fato é que Arthur não apareceu, e os bretões foram novamente repelidos pelos saxões.

Esta saga de livros conseguiu mostrar duas coisas bem importantes até agora. Primeiro, como nas guerras e nas batalhas todo mundo é vítima; não tem lado bom e lado ruim, todos no fim sofrem com isso, ninguém ganha de fato. A segunda coisa, que também acho fascinante, é como com o tempo as culturas se misturam, se fundem, e os que eram inimigos aos poucos viram a mesma coisa, forçados pelo convívio.

Neste terceiro livro aparece um dinarmarquês que é nomeado rei da Nortumbria, e fica encantado com o cristianismo. Ele vê magia poderosa nas reliquias, mesmo quando as tais reliquias normalmente são partes dos cadâveres de santos antigos guardados em cofres ornamentados. Ele começa a acreditar no que ele chama de "magia cristã", o que deixa os padres com os cabelos em pé. É um tempero saboroso, essa mistura de culturas. Ver como tentamos sempre encaixar o que não conhecemos em alguma categoria que nos permita assimilar o que vemos. Nessa visão do rei dinarmaquês, os padres são bruxos do deus único dos cristãos, o Deus como eles dizem, e sem entender como funciona ele acredita que para aceitar a religião dos cristãos também precisa ser pregado em uma cruz. Finalmente, Uthred explica para ele que só vão dar um banho nele, e com isso vira cristão. Achei esses momentos de confronto religioso particularmente hilários, e o Cornwell consegue tirar momentos únicos desses encontros.

Mas teve também um momento que achei cinematográfico, digno de uma produção caprichada. Tem uma jovem que é capaz de se comunicar com os cachorros, falando de forma incomprensível, mas o fato é que ela parece ser a rainha da matilha. Esses cachorros são ferozes máquinas da morte, grandes e furiosos como lobos, e quando atacam o fazem em grupo. Não há como sobreviver a um ataque desses. Mais de 40 cachorros enormes avançando contra uma pessoa, simplesmente não há escape. Mas eis que o livro ainda guarda uma surpresa de magia cristã.

O padre Beocca, um coitado caolho e paralítico de um braço, se arrasta manco para dentro da fortaleza onde estão os cachorros. A jovem grita com fúria, aponta para o padre e fala como os cachorros. "Matem! Matem ele!". Os cachorros avançam contra o padre em uma onda de fúria. Mas param apavorados, e começam a ganhir, a 5 passos do padre. Ele anda no meio dos cachorros, como se nada, e os animais apavorados. Ele chega até a jovem, e o rosto dela se transforma. Mostra dor, e começa a ganhir também, no mesmo tom e ao mesmo tempo que seus cachorros.

O padre a cabeça da jovem pelos lados, olha firmemente para ela. A jovem fica apavorada. O padre segura os cabelos desgrenhados e puídos da moça por trás da nuca, apoia a mão na testa, e joga a cabeça dela para trás com violência. Nos olhos de todos os que testemunham a cena, parece que vai desnucar a jovem. Ele repete este movimento, e grita:

"Saiam dela! Saiam dela, seus demônios! Eu, os mando de volta para o ceú, com o poder que Cristo me dá! Vocês estão expulsos, e voltam para o ceú agora!"

A jovem cai de joelhos, e leva as mãos ao rosto. O padre se ajoelha na frente dela. Ela começa a chorar, como uma criança. E o padre simplesmente a abraça, a conforta. Os cachorros se aproximam, devagar, intrigados. O padre olha para eles, e diz: "xô, podem ir agora, vão embora", balançando a mão levemente. E os cachorros, que tinham deixado mais de 50 cadáveres estendidos no chão, agora saem correndo pelo portão, sem olhar para ninguém.

Foi assim o primeiro milagre, ou a primeira vez que leio de Cornwell uma magia inexplicável, uma manifestação divina. Nem mesmo o Merlin, com toda sua sabedoria, mostrou um evento inexplicável nos livros dele; todas as magias dele, todos os feitiços se resumiam ao fato das pessoas acreditarem nelas. Mas, se pensamos friamente, o padre acreditou que a moça estava possuída, e não tinha medo dos cachorros, tamanha sua fé. Tudo, no fim das contas, se resume a fé.

A fé move montanhas diz o ditado, agora só falta acreditar!

Bom final de semana!

Páscoa e Amor

Já se perguntaram como foram as Páscoas do Rei Arthur? Bom, eles não tinham ovos de chocolate (afinal, o cacau ainda não tinha chegado na Europa), mas como toda festa religiosa era muito movimentada, com festins e tal. Vou trazer a lembrança de duas Páscoas bem importantes na lenda arturiana.

Uma coisa que aconteceu nas festas da Páscoa foi a cena da espada na pedra. Sim, vocês devem lembrar que Britania não tinha rei, e assim apareceu a pedra com a espada incrustada, o que foi chamado de milagre, de sinal divino. "Coincidentemente", logo a data do maior milagre da cristandade foi a data escolhida para o Arthur puxar a espada. Quem quiser ler mais, pode ver minha tradução do Malory neste link.

Outra coisa que vinha junto com a Páscoa era a mudança de estação, e o mês de Maio. O mês das noivas, do romance, dos trê-le-lês... Como não lembrar da Jenny, a versão mega-assanhada da Guinevere do filme Camelot? Então, eis que logo com a Páscoa as coisas começavam a esquentar, e foi novamente com a Páscoa que veio o "A-Maying", onde a rainha saiu com outros cavaleiros, bem como aparece no filme. Só que foi em uma dessas saídas que foram atacados por Meleagrant, quem acabou abduzindo a Gui para suas terras distantes, abrindo a oportunidade para o cavaleiro da charrete fazer a sua parte. No link da charrete podem ler novamente tooooda a história, é bem épica.

Como meu último post foi uma tradução, não vou fazer uma traduçaõ novamente, mas até caberia. Procurando no Le Mort d'Arthur, encontrei somente as duas referências acima à Páscoa, mas também encontrei um texto bem curioso, uma dissertação sobre o Amor. Sim, Amor com letras maíusculas. Achei o texto muito rico, e por isso nem quero me arriscar a traduzí-lo. Este texto está no fim do livro 18, e gravado como capítulo 25.

O título? "Por que o verdadeiro Amor é como o verão". Segue.

CHAPTER XXV

How true love is likened to summer.


AND thus it passed on from Candlemass until after Easter,
that the month of May was come, when every lusty heart
beginneth to blossom, and to bring forth fruit; for like
as herbs and trees bring forth fruit and flourish in May,
in like wise every lusty heart that is in any manner a lover,
springeth and flourisheth in lusty deeds. For it giveth
unto all lovers courage, that lusty month of May, in
something to constrain him to some manner of thing
more in that month than in any other month, for divers
causes. For then all herbs and trees renew a man and
woman, and likewise lovers call again to their mind old
gentleness and old service, and many kind deeds that
were forgotten by negligence. For like as winter rasure
doth alway arase and deface green summer, so fareth it
by unstable love in man and woman. For in many persons
there is no stability; for we may see all day, for a little
blast of winter's rasure, anon we shall deface and lay apart
true love for little or nought, that cost much thing; this
is no wisdom nor stability, but it is feebleness of nature
and great disworship, whosomever useth this. Therefore,
like as May month flowereth and flourisheth in many
gardens, so in like wise let every man of worship flourish
his heart in this world, first unto God, and next unto the
joy of them that he promised his faith unto; for there
was never worshipful man or worshipful woman, but
they loved one better than another; and worship in arms
may never be foiled, but first reserve the honour to God,
and secondly the quarrel must come of thy lady: and
such love I call virtuous love.

But nowadays men can not love seven night but they
must have all their desires: that love may not endure by
reason; for where they be soon accorded and hasty heat,
soon it cooleth. Right so fareth love nowadays, soon hot
soon cold: this is no stability. But the old love was not
so; men and women could love together seven years, and
no licours lusts were between them, and then was love,
truth, and faithfulness: and lo, in like wise was used love
in King Arthur's days. Wherefore I liken love nowadays
unto summer and winter; for like as the one is hot and the
other cold, so fareth love nowadays; therefore all ye that
be lovers call unto your remembrance the month of May,
like as did Queen Guenever, for whom I make here a little
mention, that while she lived she was a true lover, and
therefore she had a good end.

Bom final de semana!